Decisão no caso do algodão é política e cautelosa, dizem especialistas
A opção do Brasil de, por enquanto, não retaliar os EUA, por causa da suspensão dos pagamentos compensatórios pelos subsídios ao algodão, e pedir um painel na OMC Organização Mundial do Comércio para analisar a nova lei agrícola (Farm Bill) daquele país, é vista como política e cautelosa por especialistas.
Eles destacam que havia respaldo para aplicação imediata de represália e que a versão mais recente da Farm Bill mantém, parcialmente, os programas de subsídios considerados ilegais pelo organismo internacional.
Na 4ª feira, 19.02, quando a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior anunciou a decisão, o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, disse que o governo iria negociar com os EUA, e a retaliação continuava na mesa.
O contencioso do algodão levou quase 8 anos para ser decidido na OMC, que, em 2009, deu ao Brasil o direito de retaliar os norte-americanos em US$ 829 milhões.
Em 2010, os países fizeram um acordo e os EUA passaram a fazer pagamentos anuais de US$ 147,3 milhões ao Instituto Brasileiro do Algodão (IBA). Em outubro do ano passado, foram suspensos os repasses, sob a alegação de cortes automáticos no Orçamento.
Além disso, a nova lei agrícola, aprovada no início de fevereiro, não eliminou os subsídios agrícolas como os brasileiros esperavam.
Nova lei agrícola dos EUA pode prejudicar algodão brasileiro
Para o advogado Fábio Carneiro Cunha, doutor em comércio internacional, não haveria necessidade de recorrer novamente à OMC.
“Voltar ao painel é retroceder e até mostra determinada falta de comprometimento. O caso [do algodão na OMC] foi paradigmático. Um país em desenvolvimento conseguiu vencer uma potência mundial”,
destacou. Para ele, ao abrir mão de retaliações, o Brasil perdeu força para negociar.
“Acho que acabou o campo das negociações. O começo da retaliação chamaria os Estados Unidos para a mesa de negociação, mas rediscutir o caso [na OMC] não vai chamar ninguém. Caminha-se para a não solução. O Brasil ganha, mas não leva”,
acredita. Para o advogado, a decisão foi política, levando em consideração o relacionamento entre os dois países e a posição de destaque dos EUA como segundo maior parceiro comercial do Brasil.
Welber Barral, da consultoria Barral M Jorge, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, considera cuidadosa a postura do governo.
“Temos quase certeza de que o Brasil vai ganhar [em um novo painel da OMC]. Se o país aplicasse [diretamente] a retaliação, os EUA é que teriam de ir à OMC provar que sua lei não é lesiva. O Brasil decidiu adotar uma postura mais cautelosa, diplomática”,
disse Barral, cuja consultoria assessora a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA).
A entidade, que custeou gastos com advogados durante o contencioso do algodão, pressionava o governo para adotar a postura da retaliação.
“Eles descumpriram vários acordos. Já tínhamos conseguido o direito de retaliar. O governo brasileiro foi bastante conservador, ponderado, resolveu partir para a abertura de um painel na OMC para que os americanos expliquem os subsídios. A Abrapa vai despender todos os recursos necessários para que os americanos sejam condenados. O Brasil vai usar os métodos jurídicos e, de posse da nova condenação, vamos retaliar ou fazer com que modifiquem essa Farm Bill”,
informou o presidente da Abrapa, Gilson Pinesso.
Giovanni Ferreira, coordenador da Expedição Safra, projeto do setor privado que faz levantamentos sobre a safra de grãos, lembrou que, além de manter parte dos subsídios aos produtores rurais, a nova lei agrícola americana cria um programa de seguro às lavouras, o Stacked Income Protection Plan (Stax). O sistema cobre de 70% a 90% das perdas dos agricultores. Além disso, o governo americano pode subsidiar 80% da contratação do seguro.
“Na verdade, estão extinguindo alguns programas de pagamento direto, mas aumentando o subsídio indireto”,
explicou Ferreira. Para ele, a decisão sobre retaliação aos norte-americanos deveria ser técnica.
“Provavelmente, é uma decisão política, o Brasil está evitando retaliar. Mas é um prejuízo enorme ao nosso posicionamento no comércio internacional”,
afirmou.