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Internacional

04 de Setembro de 2022 as 21:09:51



EDITORIAL - Mensagem a uma Chilena Entristecida pelo Rechaço à Nova Constituição


Revolta social chilena em 21.10.2019
 
EDITORIAL
Mensagem a uma Chilena Entristecida pelo Rechaço à Nova Constituição
 
por Wilson R Correa
04.09.2022
 
Tô sabendo, Su: 62,5% de rechaçoSinto muito, por você, torcedora e votante em favor da aprovação da nova Carta Constitucional pelo povo chileno, no plebiscito deste domingo. 
 
Mas, olha, posso estar enganado, até onde eu sei, o novo texto constitucional parece ter pouco ultrapassado os limites do reconhecimento dos direitos de povos originários, das garantias às minorias sociais etc ... enfim, nada que altere a configuração das bases econômicas e de funcionamento da sociedade, estruturalmente falando.
 
O novo texto constitucional parece ter ficado na perfumaria permitida pelo Império: participação das mulheres na vida política, integração social e direitos dos povos indígenas, direito de homossexuais ao respeito e acolhimento pela sociedade, casamento gay ... o que tem sido comumente chamado pela esquerda raiz de políticas identitárias.
 
Esses ideais identitários da nova esquerda latino-americana não põem em cheque o Domínio Imperial, a expoliação dos trabalhadores, a concentração de renda e da propriedade da terra, o domínio da economia pelo capital financeiro e pelos rentistas, assim como a usurpação dos recursos das nações latino-americanas por países como EUA, Reino Unido, França e Canadá.
 
E, todos sabemos, esse tipo de reformismo jamais permitirá, no Chile e em lugar algum, a configuração de um novo Estado de Bem Estar Social (EBES), legítima aspiração do povo chileno em seus protestos de rua, em outubro de 2019.
 
É possível que a rejeição da nova constituição no plebiscito chileno de domingo tenha ao menos duas fontes: uma, o grupo da direita saudosa de Pinochet, que pretenderia a manutenção da configuração neoliberal e privatista da Carta vigente e acesso facilitado da elite aos recursos do Estado, sob a retórica malandra de combate a uma pretensa organização social comunista.
 
Outra, o grupo mais a esquerda, que estaria buscando o restabelecimento, na nova constituição, de papel mais expressivo para o Estado, da implantação de normas explícitas de defesa de interesses econômicos nacionais, de política fiscal distributivista, de serviços públicos de saúde, de  previdência social e planos públicos de aposentadoria solidária, de apoio do Estado às mães solteiras, à velhice desamparada, além do ensino superior gratuito e universal etc. 
 
EBES é algo que se ensaiava no Chile, desde os governos de Eduardo Freire e Allende, tal como uma latinoamericanização desse movimento que, disseminado na sociedade europeia, emergiu fortemente em países como Alemanha, Inglaterra e França, como mecanismo de refreamento, no processo de reconstrução no pós-guerra, de anseios revolucionários que poderiam espelhar-se no movimento de outubro de 1917 na Rússia.
 
Nos países europeus, o Estado de Bem Estar Social correspondeu à implantação, pelo Estado, de serviços públicos de saúde, gratuitos a toda população, ensino gratuito até a universidade, amparo à maternidade e à velhice sem desamparada, planos públicos de aposentadoria por tempo de serviço e aos incapazes fisica e mentalmente de trabalho, direito ao emprego, além de políticas públicas voltadas ao pleno emprego, direito ao voto e à vida política etc  
 
Nos EUA do reganomics e na Europa do tatcherismo, nos anos 70, teve início a destruição do EBES pelo mundo afora, com o avanço da desregulação da economia e, a partir do esfacelamento da URSS, em 1989, das privatizações desenfreadas e de perdas de direitos trabalhistas.
 
Mas, esse processo não parou nos governos de partido Republicano, nos EUA, e do partido Conservador, no Reino Unido. Essa politica neoliberal teve continuidade nos governos do partido Democrata norte-americano e Trabalhista britânico, desenhada sob a denominação de Terceira Via política. Seu pano de fundo foi a globalização, movimento do capital de busca de oportunidades de ainda maior lucratividade, a partir da transferência e implantação de empreendimentos industriais em debandada dos países centrais em direção aos países periféricos do Extremo Oriente, com suas economias muito menos reguladas, em termos trabalhistas e ambientais, caso da China, do Vienã, Indonésia, Índia etc.
 
Desenhadas as bases para a frustração de eleitores europeus e norte-americanos, a partir da adesão de partidos de esquerda ao neoliberalismo e à globalização, a resposta popular e dos eleitores ao desemprego em massa e à destruição do EBES,  tem sido o literal enterro dos partidos de esquerda europeus, reconhecido o fato, pelo eleitorado, que essa adesão fortalece tão somente os grandes grupos econômicos multinacionais e concentra ainda mais a renda.
 
A classe média baixa, ainda mais empobrecida, o que restou do operariado e os desempregados que partiram para o sub-empreendedorismo, estão todos sendo atualmente levados a votar em partidos e candidatos da Direita, por estes usarem a retórica da re-industrialização nacional, da recuperação do nível doméstico de emprego e de proteção do mercado de trabalho nacional contra a imigração de trabalhadores.
 
São reflexos atuais desse fenômeno, no Reino Unido, o domínio eleitoral dos 'tories', o partido Conservador; na França, a grande expansão do eleitorado de Marine Lepen, de ultra-direita; nos EUA, a eleição de Donald Trump, supremacista branco de direita, e a possível subsistência no futuro de um movimento trumpista, mesmo após a morte de seu lider ou eventual defenestração pela justiça.
 
No caso do Chile, a demanda dos movimentos sociais e manifestantes e a busca pela re-instauração de um Estado de Bem-Estar Social acontece após cerca de 40 anos de regime ultra-liberal, herança maldita do general Augusto Pinochet.
 
A constituição parida pela ditadura pinochetista roubou da população (1) seu direito a aposentadoria pública e solidária substituida por um regime favoravel aos bancos, que passaram a gerir poupanças individuais de aposentadorias. A inexpressividade dos saldos, após décadas de subvalorização monetária das contribuições e de elevadas taxas bancárias de administração dos fundos de aposentadoria individuais, tem induzido legiões de velhinhos aposentados à fome e ao suicidio por desespero. Roubou também (2) dos estudantes o direito ao ensino gratuito e os tem levado ao abandono das universidades e ao endividamento elevado em créditos estudantis impagáveis, antes mesmo do início do exercício da profissão universitária escolhida. (3)  Além disso, roubou do povo chileno o sistema de saúde publica gratuita, substituido por planos privados de saúde; etc.
 
A busca pela re-instauração de um Estado de Bem-Estar Social foi protagonizada pelas manifestações de outubro de 2019 e pelo voto popular em favor da elaboração de uma nova constituição, em 2020. Tal como na Europa e nos EUA, essa busca acontece no Chile em quadro internacional de grave crise do capitalismo, de destruição de valor de capital pela acumulação excessiva, pela obsolecência tecnológica e pelo marketing de produtos, de falência financeira da potência dominante e de mudança sistêmica para multipolaridade internacional ou talvez de hegemonia de uma nova potência, de crise energética e de guerra que pode alastrar-se por toda a Europa e avançar para o Mar da China.
 
Isto é, o panorama complexo em que se insertaria uma nova Carta chilena, realmente transformadora da estrutura econômica,  lhe é totalmente desfavorável. Neste momento de crise sistêmica, a potência dominante deverá lançar mão de todos os movimentos possíveis no sentido de deter as transformações na economia chilena e dos demais países da América do Sul, como importantes fontes de energia, de matérias primas e de alimentos, que possam apoiar  interesses econômicos de países centrais e do mercado financeiro nesse momento de aguda crise. 
 
Um possivel desdobramento político da rejeição da nova Carta proposta parece ser caber ao jovem presidente chileno reformar o texto constitucional votado e reapresentá-lo ao Congresso, desta vez com uma feição assimilável pelo eleitorado conservador protagonista do rechaço à Carta. Assim, entregue ao Congresso chileno ou a uma "comissão de notáveis', há o elevado risco de o novo texto constitucional ficar ainda menos reformador e apenas circunscrito às políticas identitárias, isto é, com feitio pouco além do mero continuísmo. E, naturalmente, sujeito à crítica dos movimentos sociais por não resultar do trabalho da comissão constitucional instituita e especialmente eleita para tal.
 
Estou ainda mais convencido de que as massas chilenas, em seu fantástico movimento pré-revolucionário, de outubro de 2019, foram desde então iludidas, neutralizadas e amaciadas com a promessa de uma nova constituição redentora futura. O forte movimento de rua foi habilmente desmobilizado.
 
Considerando que nenhuma política pública foi configurada e implementada pelo novo presidente, em atendimento às demandas dos manifestantes --  sequer o indulto dos manifestantes de 2019 e 2020, que permanecem presos --, é bem provável que o povo chileno caia, agora, na frustração, na amargura e no imobilismo, em uma zona de total incerteza. Se esses sentimentos imperarem, terá sido perdida uma grande oportunidade de avanço social.
 
Contudo, reconhecendo a grande combatitividade do povo chileno, talvez não seja impossível nova eclosão dos movimentos de rua e manifestações em massa semelhantes as ocorridas em 2019.
 
Lamento muito tudo isso.
Meu abraço fraterno.
 
04.09.2022
Wilson 


Fonte: da Redação JF





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