O fracasso da cúpula Biden-Putin e os temores de guerra
A ameaça de conflito está mais próxima depois de uma operação desordenada envolvendo um navio de guerra britânico entrando em águas da Criméia
Por Stephen Bryen, 02.07.2021
para o Asia Times
Sabemos agora com certeza que a tão abalada cúpula Biden-Putin em Genebra foi um fracasso total, que clara e inequivocamente bate à porta de Biden. Seu grupo de funcionários anti-russos destruiu a cúpula e tornou próxima a guerra.
O gatilho foi a brecha aberta pelo destroier britânico HMS Defender quando entrou nas águas territoriais da Crimeia. A intrusão foi detalhadamente preparada a partir de uma apresentação em PowerPoint, classificada como "o mais secreto", que de algum modo foi deixada "em um monte de lixo encharcado" em uma parada de ônibus em Kent e foi "descoberto" por um "popular".
E a parte dos EUA na coordenação da intrusão foi imediatamente identificada pelos russos que seguiram um avião espião dos EUA, um P-8 Poseiden, que voou de Creta e forneceu cobertura aérea para o HMS Defender, alertando-o do movimento de aeronaves, submarinos e navios russos que convergiram para o HMS Defender.
Putin disse-nos francamente que foi avisado de imediato sobre o avião espião e até lembrou o número da cauda do avião.
A OTAN está apoiando a intrusão do HMS Defender de forma não-qualificada, alegando que é a Rússia que "continua a desestabilizar" a região.
A intrusão roteirizada do HMS Defender veio após uma visita a Odessa, na Ucrânia. A ideia era mostrar "solidariedade" com a Ucrânia. Na verdade, pode ter dado aos russos um incentivo para tomar medidas mais fortes contra a Ucrânia, em vez do contrário.
Devemos lembrar que Putin havia preparado um grande exercício militar em território russo – incluindo a disputada Crimeia – antes da cúpula Biden-Putin. Mas diante das exigências de que a Rússia recuasse de um exercício militar que era visto como ameaçador da Ucrânia, Putin ordenou que as tropas voltassem, embora grande parte dos equipamentos e instalações temporárias para apoiar o exercício fossem mantidos no local.
Sem provocação
O gesto de Putin, se isso descreve corretamente a decisão do presidente russo, foi um osso jogado para Biden. Além disso, na cúpula, Putin reiterou seu desejo de ver a questão ucraniana tratada de acordo com o Protocolo de Minsk II e não por meio de ações hostis.
Não houve nenhuma nova provocação de qualquer tipo que desencadeou a operação HMS Defender. Está longe de ficar claro por que Biden autorizou a operação, assim como não está claro por que o britânico Boris Johnson estava disposto a arriscar perder um ativo chave da Marinha Britânica para pouco benefício para o Reino Unido ou qualquer outra pessoa.
Claro, os russos vêem essas ações como mais uma evidência da dubiedade das ações do Ocidente.
Os EUA estão agora realizando um exercício naval muito agressivo no Mar Negro chamado Sea Breeze 2021. Um comunicado da Imprensa da Marinha dos EUA diz:
"A iteração deste ano tem o maior número de nações participantes na história do exercício, com 32 países de seis continentes fornecendo 5.000 tropas, 32 navios, 40 aeronaves e 18 equipes de operações especiais e mergulho programadas para participar."
Sea Breeze 2021 é co-hospedada pelos EUA e pela Ucrânia, deixando claro para o lado russo que os EUA fazem parte do escudo de segurança da Ucrânia e que a "parceria" da OTAN com a Ucrânia é praticamente a mesma que a Ucrânia como membro da OTAN.
Certamente, tudo isso não está perdido para Rússia.
A Rússia considera seu flanco sul extraordinariamente sensível e uma linha vermelha para sua segurança. Quando elaborou um acordo com a Ucrânia que devolveu independência e soberania à Ucrânia, também concordou que a Rússia e a Ucrânia compartilhariam Sevastopol, o principal porto da Crimeia e o lar da frota sul da Rússia e da pequena marinha da Ucrânia.
Com efeito, a Ucrânia concordou com a proteção russa. Tudo isso, é claro, foi sendo rejeitado à medida que as relações entre a Rússia e a Ucrânia se deterioraram, à medida que políticos pró-russos na Ucrânia foram removidos e conforme a rebelião em Donetsk levou à formação de duas entidades quase independentes, a RPL República Popular Luhansk e a RPD República Popular de Donetsk, ambas fundadas em 2014.
Em 2014, a Rússia também anexou a Crimeia e assumiu Sevastopol, mantendo os ativos da marinha ucraniana como reféns. Depois de um tempo, algumas dessas naves foram liberadas.
Desde então, a Ucrânia vem contestando tanto as províncias separatistas no leste da Ucrânia quanto a anexação da Crimeia, que é considerada pela Ucrânia e pela maior parte do resto do mundo como ilegal.
A Ucrânia cortou energia e água para a Crimeia. A água é fornecida pelo Canal da Criméia Norte. A Ucrânia também construiu duas barragens no canal, que dizem estar 80% completas, para bloquear ainda mais água que flui para a Crimeia.
O cultivo agrícola na Crimeia, com escassez de água, passou de 130 mil hectares em 2013 para apenas 14 mil em 2017. Enquanto os russos construíram alguns reservatórios e estão extraindo água localmente, a situação continua a deteriorar-se. Muitos moradores enchem suas banheiras de casa quando há água como medida de conservação.
Enquanto isso, alguns especialistas acham que os russos têm que resolver o problema da água. Andrei Illarionov, ex-conselheiro do presidente russo Putin, agora membro sênior do Centro de Política de Segurança, com sede em Washington, sugere que a Rússia poderia atacar da Crimeia em direção ao canal, capturando o controle do fornecimento vital de água e até possivelmente pegando a Usina Nuclear de Yuzhnoukrainsk, que fornece cerca de um terço da energia da Ucrânia.
Exercícios militares
Illarionov acha que há uma chance de a Rússia aproveitar o próximo exercício militar Zapad 2021 para lançar um ataque.
O Zapad 2021 acontece a cada quatro anos e será realizado em setembro. Este ano, contará com uma coordenação muito mais forte com a Bielorrússia e envolverá um grande número de tropas, aeronaves e outros ativos do exército e contará com base modular e novos métodos de guerra centrados na rede, alguns dos quais os russos aprenderam com as lições do conflito Nagorno-Karabakh.
O exercício mostrará operações defensivas e ofensivas com unidades aéreas, forças especiais, Spetsnaz, reconhecimento e infantaria naval.
Se a OTAN continuar pressionando a Rússia sobre a Ucrânia, o Zapad 2021 pode acabar sendo uma espécie de cavalo de Tróia – ou seja, um ponto de partida onde a Rússia poderia tomar mais território ucraniano ou até mesmo tentar derrubar completamente o governo da Ucrânia.
O que a OTAN poderia fazer, ou estaria disposta a fazer, é o palpite de qualquer um. Putin diz que se a OTAN tentar, perderá. Tudo isso deixa pouca dúvida de que a cúpula Biden-Putin foi um fracasso e o risco de guerra aumentou.
Confira AQUI, no ASIA TIMES, a íntegra da matéria em inglês
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