Maior parte do abono salarial beneficia menos pobres, diz Tesouro
Frustrado seu plano de limitar o pagamento de abono salarial do PIS-Pasep a 1,0 salário mínimo, o Tesouro Nacional produz estudo em que adota a estratégia de desqualificar o pagamento do abono como instrumento de distribuição de renda, em crítica velada ao Senado Federal por manter o abono salarial em 2,0 salários mínimos; sinalizando que volta a carga contra esse benefício aos trabalhadores .
Criado para estimular a formalização no mercado de trabalho, o abono salarial está beneficiando principalmente os menos pobres. Essa é a conclusão de estudo do Tesouro Nacional divulgado essa semana sobre os gastos com benefícios trabalhistas.
De acordo com o estudo, 58,3% dos recursos do abono salarial pagos em 2017 foram apropriados pelos 50% menos pobres da população, que ganham mais de R$ 1.220 mensais, de acordo com a PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Entre 1997 e 2017, a fatia paga aos 30% mais pobres caiu de 24% para 17%.
Segundo o estudo da Secretaria do Tesouro Nacional, o abono salarial – espécie de 14º salário pago a trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois mínimos – tornou-se um benefício mal focalizado por causa de valorização do salário mínimo.
Essa política beneficiou os trabalhadores formais mais pobres, porém aproximou o salário mínimo do salário mediano da economia nas últimas décadas, deixando de concentrar-se na parcela mais pobre da população.
Analogia capenga
Para o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, o benefício passou a ser ineficiente na distribuição de renda.
“O filho de bilionário que esteja no primeiro emprego e receba entre 1 e 1,5 salário mínimo pode ter direito a abono. É a regra do benefício.
"Já o Bolsa Família, pelo contrário, vai de fato para mais pobres, é bem focalizado. O Bolsa Família é um programa barato, que custa cerca de 0,5% do PIB.
"Temos de tornar o gasto público mais distributivo”,
disse Almeida ao divulgar o estudo.
Na reforma da Previdência, o governo tentou restringir o pagamento do abono salarial aos trabalhadores que recebem apenas o salário mínimo. A Câmara dos Deputados aumentou um pouco o limite, para 1,2 salário. O Senado, no entanto, derrubou a mudança na votação em primeiro turno, mantendo as regras atuais e reduzindo a economia com a reforma em R$ 76,4 bilhões nos próximos dez anos.
Gastos
O estudo analisou a evolução dos gastos do abono salarial e do seguro-desemprego. Segundo o Tesouro, as despesas com os dois principais benefícios trabalhistas do país continuarão a aumentar nos próximos anos em ritmo maior que o crescimento da economia e pressionarão cada vez mais o teto de gastos.
De acordo com o estudo, os gastos com o abono salarial subirão 41,6% de 2018 a 2030, numa expansão de 2,9% ao ano. As despesas com o seguro-desemprego saltarão ainda mais: 50,1% no mesmo período, equivalente a 3,4% ao ano.
Para estimar o PIB, o documento considerou as projeções da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, que apontam crescimento da economia de 0,9% em 2019, 2,32% em 2020 e 2,5% ao ano de 2021 a 2023. Não foram divulgadas estimativas do PIB para os demais anos.
O Tesouro não pressupõe a mudança nas regras de concessão dos benefícios. Para o salário mínimo, o estudo considerou o reajuste apenas pelo INPC Índice Nacional de Preços ao Consumidor até 2022 e pelo INPC mais o crescimento do PIB de dois anos antes a partir de 2023.
Evolução
Apenas em 2018, o Brasil gastou R$ 53,6 bilhões (0,78% do PIB) com o abono salarial e o seguro-desemprego. Nos últimos dez anos, aponta o estudo, as despesas com os dois benefícios cresceram, em média, 1,5% ao ano acima da inflação, mais que a média de expansão do PIB de 1,3% por ano nesse intervalo.
O maior aumento ocorreu de 2009 a 2014: 7,9% de crescimento acima da inflação por ano, contra expansão média da economia de 3,4% do PIB. De 2014 a 2018, em contrapartida, os gastos caíram: 5,9% por ano descontado o INPC, enquanto o PIB recuou 1,2% anualmente no mesmo período. Apesar da queda nos anos recentes, o Tesouro considera que, no médio prazo, os gastos com o seguro-desemprego e o abono salarial crescem mais que o PIB.
Contradição
Na maioria dos países, o gasto com o seguro-desemprego cresce em períodos de recessão e caem em épocas de crescimento econômico. O estudo procurou desvendar por que ocorre o contrário no Brasil.
“De fato, é bastante difundida a visão de que haveria uma relação direta e positiva entre a despesa com o seguro-desemprego e a taxa de desemprego. Entretanto, a relação observada na última década tem sido justamente a oposta”,
destacou o levantamento.
Conforme o estudo, a formalização do mercado de trabalho nos anos de crescimento econômico e a política de aumentos reais (acima da inflação) do salário mínimo explicam o desempenho contraditório dos gastos com o seguro-desemprego.
O trabalho destacou que a desaceleração da economia a partir de 2014 e a recessão em 2015 e 2016 interromperam a formalização do mercado de trabalho brasileiro.
Em 2001, 26,5% da população economicamente ativa trabalhava com carteira assinada. A proporção passou para 37,32% em 2013. Dessa forma, a ampliação dos gastos com o abono salarial e o seguro-desemprego decorreu da ampliação do público alvo dos programas. O gasto também foi influenciado pelo aumento real do salário mínimo.
NOTA DA REDAÇÃO JR
Frustrado seu plano de limitar o pagamento de abono salarial do PIS-Pasep aos trabalhadores que ganham até 1,0 salário mínimo mensal, no pacote da reforma da Previdência, o Tesouro Nacional produz estudo em que adota a estratégia de desqualificar o pagamento do abono como instrumento de distribuição de renda, em relação ao Bolsa-Família, em crítica velada ao Senado Federal por ter mantido o abono salarial do PIS-Pasep aos trabalhadores que ganham até 2,0 salário mínimo mensal.
Mansueto Almeida, secretário do Tesouro, considera o abono salarial dispendioso e também pouco efetivo em termos distributivos.
Sem noção das agruras pelas quais passa o povo brasileiro, com cerca de 12,5 milhões de pessoas desempregadas, é lastimavel que o economista tão graduado apresente o raciocínio pelo qual quem ganha entre 1,0 e 2,0 salarios minimos -- faixa salarial que no entender do secretário não deveria receber o abono -- não é pobre o suficiente para merecer ou exigir esse pagamento.
Adesista ao ideário econômico defendido pelo ministro Paulo Guedes, do neoliberalismo extremado e tacanho, Mansueto Almeida, a partir de sua visão estritamente contábil, ignora o poder multiplicador de renda a partir da injeção na economia dos pagamentos do abono salarial, o despertar de um círculo virtuoso na economia.
Pouco provável que Mansueto Almeida saiba pouco de macroeconomia. Mais provável que, diante do quadro de instabilidade política e na iminência de queda de Paulo Guedes, vendo-se como o mais forte candidato a substituir o ministro da Economia, o secretário do Tesouro parta para o adesismo político para assegurar espaço na dança das cadeiras da Esplanada, confiante na manutenção do mainstream econômico trazido pela direita miliciana abjeta que assola a República no pós-golpe.