DEMISSÃO NO ITAMARATY - E desenhou-se uma estratégia
por Wilson R Correa
Na linha do Itamaraty de San Tiago Dantas, Antonio Patriota declarou ao secretário de Estado norte americano, John Kerry, com todas as letras, o que não seria adequado a própria Dilma Roussef pronunciar. E para o retorno do País a um bom relacionamento com os EUA, Patriota teria de ser afastado. Como bom diplomata, entendendo a fugacidade do poder, prestou-se a esse papel e foi presenteado com a representação do País na ONU, em Nova York.
Em um processo bastante rápido, o ministro das relações exteriores do Brasil, Antonio Patriota, apresentou nesta 2ª feira, 26.08, seu pedido de demissão à presidente Dilma Roussef, que de imediato o aceitou, após ter-lhe aplicado longo "chá de cadeira". Ocupará o cargo o representante do Brasil na ONU, o embaixador Alberto Figueiredo. Patriota, por sua vez, substituirá Figueiredo na ONU.
A posse de Figueiredo ocorrerá até a próxima 6ª feira, 31.08, de modo a que ele possa acompanhar Dilma Roussef na Cúpula da UNASUL União das Nações Sul Americanas, que acontecerá neste próximo fim de semana e que marcará o retorno do Paraguai a essa organização latinoamericana.
A demissão de Patriota, funcionário de carreira com 34 anos de Itamarati, sucede a operação de retirada ilegal, a partir de La Paz para o Brasil, do senador boliviano Roger Pinto Molina que há 15 meses permanecia exilado na embaixada do Brasil na capital boliviana. O governo de Evo Moraves negava-se a conceder-lhe salvo conduto, sob a alegação de que se trataria de um criminoso condenado à reclusão por um ano.
O responsável confesso por essa operação ilegal de resgate teria sido o diplomata de carreira Eduardo Saboia, encarregado de negócios da embaixada brasileira na Bolívia. O Ministério das Relações Exteriores abriu inquérito para a apuração de responsabilidades e as punições possíveis poderão ser advertência, suspensão, perda do cargo ou demissão.
Em entrevistas à imprensa, o diplomata alega que se tratava de uma situação limite e que conta com amparo constitucional para a decisão tomada: o senador boliviano Molina, após 15 meses recluso na embaixada brasileira, apresentava sintomas patológicos renais, comprováveis por diagnóstico médico, além de sofrer de depressão. Ademais, seu advogado teria declarado que Molina poderia cometer suicídio.
Interesse boliviano em livrar-se de Molina . . .
Eduardo Saboia declarou, ainda, que o governo boliviano manifestara-se por duas vezes favorável à saída de Molina do território boliviano. Na primeira delas, o vice-presidente da Bolívia, Álvaro Garcia Linera, teria declarado que Molina está livre e que poderia “passear pelo território boliviano”.
Na segunda ocasião, o chanceler boliviano David Choquehuanca teria afirmado que o Brasil “sabe o que pode fazer e o que deve fazer”. Ambas as afirmações foram interpretadas pelo diplomata Eduardo Saboia como sinal verde para a operação de retirada do senador Molina do território boliviano. E, de fato, o comboio de dois carros com o senador boliviano e o diplomata brasileiro, acompanhados por fuzileiros navais e policiais federais, parou diversas vezes em barreiras policiais no percurso até a fronteira brasileira, mas pôde prosseguir sem problemas, cumprindo o trajeto de 1.500 km em 12 horas.
Há indicações de que, possivelmente em março/2013, o governo boliviano havia apresentado ao governo brasileiro proposta de retirada do senador Molina do mesmo modo como agora se deu.
Mas, a presidenta Dilma Roussef não teria concordado com essa saída para o impasse, em razão do risco de acidente ou assassinato daquele senador, sob a responsabilidade do governo brasileiro, durante o percurso até a fronteira brasileira, pois notadamente na região de Santa Cruz de La Sierra estaria concentrada a produção de cocaína e o senador acusava o presidente Evo Morales de estar associado ao narcotráfico.
. . . ou uma peça aplicada no Brasil ?
A prudência de Dilma Roussef parece ter pleno amparo no histórico recente do relacionamento entre Brasil e Bolívia. Pois, o vice presidente Linera é conhecido pela diplomacia brasileira por buscar pregar peças no Brasil, tendo se envolvido pessoalmente na desapropriação da refinaria boliviana da Petrobras. Um governo ideológico e pouco confiável, a despeito dos grandes interesses econômicos que envolvem as relações entre os dois países.
Visão estratégica ?
Todavia, pode haver uma leitura heterodoxa desse evento: fato consumado, aproveita-se a ocasião.
Primeiramente, esse fato aparentemente desditoso permitirá a afirmação do poder de Dilma Roussef em sua busca de melhorar a avaliação de seu governo junto ao público, notadamente o feminino: houve uma situação de quebra de hierarquia e ela punirá os homens responsáveis.
Em segundo lugar, o afastamento do ex-ministro Antonio Patriota traz duas mensagens ao governo paraguaio em seu retorno à UNASUL e provável retorno ao MERCOSUL. A primeira refere-se à demissão do ministro brasileiro que engendrou o afastamento do Paraguai dessas duas organizações latino-americanas, como o início de um novo tempo e novas relações entre os dois países.
Outra mensagem do governo brasileiro é a afirmação do pacto pela legalidade na América do Sul, segundo o qual não poderiam ser admitidas operações ilegais como o impeachment ultra-rápido do ex-presidente paraguaio e a retirada do embaixador boliviano pelo governo brasileiro. Nesse sentido, a demissão de Patriota serviria como um sacrifício, uma imolação, em prol do retorno do Paraguai ao MERCOSUL e à UNASUL.
Em terceiro lugar, e mais importante, a demissão de Antonio Patriota é também um sacrifício que o Brasil faz às boas relações com Washington, a poucas semanas da visita oficial da presidente Dilma Roussef à Casa Branca. Pois, Patriota fez um discurso muito duro ao representante do governo norte americano que veio tratar da visita de Roussef aos EUA, John Kerry, secretário de Estado dos EUA. Foram suas afirmações:
“Não podemos minimizar o tema da espionagem, pois temos um compromisso com a democracia, o bom governo, a abertura da sociedade civil. [Vivemos em um] espaço de democracia e justiça social”,
“Consideramos que os EUA não encontrarão melhor parceiro no combate ao terrorismo na medida em que as ações sejam levadas a cabo de forma transparente. Quando as ações são feitas de forma plena fortalecem a confiança. Quando há falta de informação, isso pode enfraquecer a confiança.”
“Caso [as questões] não sejam resolvidas de modo satisfatório, corre-se o risco de haver uma sombra de confiança no nosso trabalho.”
Na linha do Itamaraty de San Thiago Dantas, Antonio Patriota afirmou com todas as letras ao secretário de Estado norte americano, John Kerry, o que não seria adequado a própria Dilma Roussef declarar. E para assegurar o retorno a um bom relacionamento com os EUA, ele teria de ser afastado, antes da viagem de Dilma àquele país. Como bom diplomata, entendendo a fugacidade do poder, prestou-se a esse digno papel e ganhou como prêmio a representação do País na ONU, em Nova York.
A julgar pelo teor do pronunciamento que Dilma Roussef fará por ocasião de sua visita aos EUA, em outubro próximo, a demissão do ministro Patriota poderá revelar que o governo federal estende, pragmaticamente, a mão aos EUA, a despeito da questão da espionagem, em função da importância das relações político econômicas entres os dois países e também por julgar que:
(1) os EUA jamais deixarão de praticar a espionagem, uma vez que ela se inserta inexoravelmente na configuração das relações externas entre as potências. Isso, sem retirar uma vírgula sequer do que Patriota afirmou, mas somente não batendo mais inutilmente nessa mesma tecla e evidenciando que as portas permanecem abertas às negociações sobre temas de interesse comum;
(2) internamente o Brasil deve fazer a lição de casa e provavelmente adotar sistemas com tecnologia de domínio nacional para minimizar o poder da espionagem, bem como organizar a migração da internet do País para grandes provedores nacionais públicos ou em PPP Parceria Público Privada;
(3) deve trabalhar ainda mais intensamente sua antiga proposta brasileira de retirada do controle da internet mundial das mãos dos EUA e sua passagem de sua gestão à ONU. Essa talvez possa se desenhar como a nova missão ardua de Antonio Patriota como representante do Brasil na ONU, ainda que agora um tando enfraquecido.
A julgar como correta essa perspectiva, podem estar enganados os que ainda dizem que a presidente da República é iniciante no trato político. Há evidências de que seu xadrez está bom, pois, diante de uma situação negativa, conseguiu construir uma acomodação para a situação com os EUA. Há um estilo, ainda que distinto da afabilidade dos dois presidentes brasileiros que a antecederam: visão clara dos objetivos, tomada rápida de decisões, um trator na capacidade de trabalho, além de obstinação na busca de resultados, com todos os aspectos positivos ou negativos que essa identidade proporciona.