O bicho-papão russo mais furioso da guerra na Ucrânia foi ao ar na semana passada, diante dos olhos do mundo, apresentado pelo ministro das Relações Exteriores de Moscou, Sergei Lavrov.
Falando em uma entrevista coletiva televisionada em 10.03.2022, após sua reunião abortada com o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kulebain, na Turquia, Lavrov foi interrogado sobre uma das piores atrocidades da dessa guerra: o bombardeio pelas forças russas de uma maternidade na cidade de Mariupol.
Para os curiosos a respeito de um dos objetivos declarados pelo presidente russo Vladimir Putin, para invadir a Ucrânia, a “desnazificação” do país, a resposta de Lavrov forneceu informações importantes.
Lavrov afirmou que “o Batalhão Azov” ultra-radical e “outros radicais” expulsaram mulheres e crianças do hospital e assumiram posições militares nas instalações hospitalares. Sua conclusão foi que o suposto uso do hospital para fins militares justificaria o ataque pela artilharia russa.
As alegações de Lavrov foram contrariadas por imagens ucranianas de TV que mostraram mulheres grávidas naquele hospital. Kiev relatou que três pessoas, incluindo uma criança, foram mortas no ataque da artilharia russa.
Kulebain foi mordaz sobre a resposta de Lavrov. As autoridades russas “vivem em sua própria realidade”, afirmou ele. A mídia internacional de TV criticou a resposta de Lavrov. Possivelmente não compreendeu ao que estavam fazendo alusão o ministro das Relações Exteriores da Rússia ou seu tradutor.
O jornal Asia TimesTM não pôde confirmar a veracidade da informação dada por Lavrov. Mas, as imagens da TV não necessariamente negam o seu ‘’j’accuse’, que as tropas ucranianas podem estar usando o hospital como posição militar.
Na verdade, essa mesma tática militar ucraniana, que Lavrov revelou estar sendo utilizada em Mariupol, foi registrada durante combates envolvendo as Forças Azov em Donbas.
No relatório de 2016 do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, “Sobre a situação dos direitos humanos na Ucrânia, de 16.11.2015 a 15.02. 2016”, pág.11, parágrafo 16 [veja o relatório AQUI], documentou “o uso extensivo de edifícios e locais civis por militares ucranianos e pelos regimentos Azov… grupos armados e forças armadas ucranianas também continuaram a posicionar forças militares dentro ou perto de hospitais”.
Assim, enquanto várias análises do casus belli desta guerra se concentram na geopolítica fria e dura (expansão da OTAN, esfera de influência da Rússia, soberania nacional), demônios da ultra-direita nacionalista espreitam nas sombras ao fundo, sombriamente raivosos.
Dada a origem judaica do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, em seu mandato democrático, muitos ao redor do planeta zombaram das referências de Putin à sua proposta de “desnazificação” da Ucrânia.
No entanto, quando se trata de relações russo-ucrânias, as referências ao neonazismo não são sem fundamento. Elas remontam, após o conflito russo-ucrânio pós-2014, à frente mais sangrenta da guerra mais sangrenta do mundo.
Para seu grave infortúnio, a Ucrânia desenha um horizonte vermelho-sangue. Suas vastas planícies configuram um corredor perfeito de invasão leste-oeste, e seu rico solo negro é cobiçado pelos vizinhos. Nas décadas de 1930 e 1940, dois dos regimes mais assassinos do mundo – a URSS comunista de Stalin e a Alemanha nazista de Hitler – conduziram guerra genocída no país, [e caça a apoiadores do nazismo alemão ao final da Segunda Grande Guerra].NR
Essas histórias complicadas e sangrentas, entrelaçando ideologia extremista com nacionalismo violento, são pouco conhecidas no Ocidente. Animosidades foram erradicadas durante a era soviética, mas voltaram a ser ferozes após a implosão da URSS e a ascensão de novos estados ao redor do perímetro do ex- império czarista/soviético.
A direita fanática e dura está de volta. Na Ucrânia, alguns grupos e políticos procuram reabilitar Stepan Bandera (1909-1959), um nacionalista ucraniano hardcore que cooperou com os nazistas e cuja milícia massacrou, de maneira particularmente selvagem, dezenas de milhares de poloneses e judeus.
E à medida que o combate se espalhava por Donbas [nos últimos 8 anos]NR, na Ucrânia, surgiram milícias de ultra-direita. Tinham orientação neonazista e atraíram voluntários supremacistas brancos de todo o mundo e de origens duvidosas. O de maior destaque entre eles foi o chamado Batalhão Azov, descrito pela Universidade de Stanford como uma milícia “paramilitar nacionalista de extrema direita”. [Confira o estudo da Stanford University AQUI]
O Batalhao Azov não é mais uma milícia, pois foi incorporado às forças armadas oficiais da Ucrânia [e integra a estrutura do Estado ucraniano]NR. Os observadores ocidentais da guerra em curso podem ter sentimentos mistos sobre a presença de Azov na linha de frente: a escolha está entre o invasor ou o “menor de dois males”.
Para a Rússia, Azov ressuscitou as fúrias da década de 1940, associando-se à mais importante organização do Terceiro Reich de Adolf Hitler.
CONFIRA em Asia Times a integra do texto em inglês. Clique AQUI.