Desfile militar da 'República das Bananas' de Bolsonaro é condenado por críticos
Veículos blindados percorrem ruas de Brasília enquanto congresso se prepara para votar planos para mudar sistema de votação do Brasil
Tom Phillips no Rio de Janeiro
Críticos denunciaram a decisão "banalista" de Jair Bolsonaro de enviar veículos de combate às ruas da capital brasileira para um raro desfile militar no que foi amplamente visto como uma tentativa sitiada do presidente de projetar força.
Bolsonaro, cujas classificações caíram como resultado de sua caótica resposta à pandemia de Covid, olhou da rampa de mármore do lado de fora do palácio presidencial enquanto uma comitiva de veículos blindados passava na manhã de 3ª feira.
"Ridículo. Grotesco. Lamentável. Desnecessário. Coisa da República da Banana",
tuitou o jornalista Brunno Melo, de Brasília, enquanto a procissão avançava sob um céu azul perfeito.
O desfile organizado às pressas – que especialistas disseram não ter precedentes nos anos desde a restauração da democracia em 1985 – teria sido ordenado por Bolsonaro na última sexta-feira e veio no mesmo dia em que membros do Congresso estavam programados para votar planos altamente controversos apoiados por Bolsonaro para mudar o sistema de votação do Brasil.
Também seguiu uma sucessão de comentários incendiários e antidemocráticos do líder brasileiro, um ex-capitão do exército autoritário que disse que as eleições presidenciais do próximo ano podem não acontecer se as mudanças não forem aprovadas.
"Essa é uma tentativa óbvia e explícita de Bolsonaro de mostrar que as forças armadas estão do seu lado",
disse Thaís Oyama, jornalista político que relatou pela primeira vez planos para a mobilização militar na segunda-feira.
Oyama chamou o evento de "típico Bolsonaro". Ela disse:
"A única língua que ele fala é provocação. A única coisa que ele entende são ameaças e caos. Ele está obcecado em demonstrar que as forças armadas estão do seu lado."
João Roberto Martins Filho, um dos principais especialistas militares, disse que a procissão foi "completamente inédita" nas quase quatro décadas desde o fim da ditadura militar de 1964-85 e foi uma tentativa de Bolsonaro de reafirmar seu domínio.
"Há quem diga que os chefes militares controlam Bolsonaro... mas acho que ele é totalmente incontrolável",
disse Martins Filho.
Políticos da oposição de esquerda e direita condenaram o espetáculo, que o Ministério da Defesa alegou ter sido realizado para convidar formalmente Bolsonaro para exercícios anuais de treinamento da Marinha que deve começar na próxima semana perto da capital. Esses exercícios são realizados todos os anos desde 1988, no entanto, e nunca antes foram enviados veículos blindados para o coração de Brasília, que também abriga o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.
Alessandro Vieira, senador de centro-direita, disse que era inaceitável gastar dinheiro público em "uma exposição vazia de poder militar". "O Brasil não é um brinquedo nas mãos de lunáticos", tuitou Vieira.
A senadora Simone Tebet denunciou a "intimidação imprópria e inconstitucional" do sistema democrático brasileiro.
Omar Aziz, presidente de um inquérito do Congresso sobre uma catástrofe covávida que matou mais de meio milhão de brasileiros, disse:
"Bolsonaro acha que isso mostra força, mas na verdade é apenas uma evidência da fragilidade de um presidente que é encurralado por investigações de corrupção ... e a incompetência administrativa que causou morte, fome e desemprego em meio a uma pandemia descontrolada."
Muitos também consideraram o tanqueciata do presidente – que durou apenas 10 minutos, contou com uma seleção distintamente limitada de hardware militar, incluindo um único modelo de tanque austríaco– e contou com a presença de apenas cerca de 100 apoiadores de Bolsonaro - como um fiasco.
Marcelo Soares, jornalista paulistano, chamou o concurso de "legítimo show de farsa".
José Roberto de Toledo, jornalista político da revista Piauí, comparou a procissão à comédia britânica de 1959 O Rato Que Rugiu, na qual o insignificante Ducado de Grand Fenwick declara guerra aos EUA.
"É inacreditável... A única explicação é que eles estão tentando convencer o Congresso de que precisam de mais dinheiro para equipamentos",
disse Toledo.
"Nunca em meus sonhos mais selvagens eu poderia ter imaginado que eles eram capazes de algo tão patético. Parece que foi encenado pela oposição, ou algum comunista infiltrado."
Outra sagacidade comparou o elenco desanimador de veículos com a série de TV de desenho animado Wacky Races.
Somando-se ao sentimento de absurdo, um parlamentar pró-Bolsonaro celebrou o desfile de Bolsonaro no Twitter usando uma imagem de tanques chineses que se processam pela Praça Tiananmen, em Pequim, há dois anos, para marcar o aniversário da revolução comunista de Mao Tsé-Tung em 1949.
Martins Filho disse ser preocupante que o comandante da Marinha do Brasil – nomeado este ano após o ministro da Defesa e chefes dos três ramos das Forças Armadas terem sido forçados a sair por Bolsonaro – não tivesse renunciado quando solicitado a encenar um desfile "absolutamente desnecessário" que havia saído pela culatra.
"Os comentários que as pessoas estão fazendo sobre as forças armadas [hoje] são absolutamente brutais. Eu só não entendo como eles não vêem o dano que isso está fazendo à sua imagem."
Confira AQUI, no THE GUARDIAN, a íntegra dessa matéria em inglês