Variante P.1 do vírus no Brasil infectou muitos que haviam antes se contaminado e já se recuperado do Covid-19
Os primeiros estudos detalhados da chamada variante P.1 mostram como ela devastou uma cidade brasileira. Agora os cientistas querem saber o que ele vai fazer em outro lugar.
Por Carl Zimmer
Em apenas uma questão de semanas, duas variantes do coronavírus tornaram-se tão familiares que você pode ouvir seus nomes alfanuméricos inescrutáveis regularmente proferidos em notícias de televisão.
B.1.1.7, identificado pela primeira vez na Grã-Bretanha, demonstrou o poder de se espalhar muito e rápido. Na África do Sul, um mutante chamado B.1.351 pode evitar anticorpos humanos, diminuindo a eficácia de algumas vacinas.
Os cientistas também estão de olho em uma terceira variante que surgiu no Brasil, chamada P.1. A pesquisa foi mais lenta em P.1 desde sua descoberta no final de dezembro, deixando os cientistas inseguros sobre o quanto se preocupar com isso.
"Tenho segurado a minha respiração",
disse Bronwyn MacInnis, epidemiologista do Broad Institute.
Agora, três estudos oferecem uma história preocupante da ascensão meteórica de P.1 na cidade amazônica de Manaus. Provavelmente surgiu lá em novembro e depois alimentou um pico recorde de casos de coronavírus. Ela passou a dominar a cidade em parte por causa do aumento da contagiosa, segundo a pesquisa.
Mas também ganhou a capacidade de infectar algumas pessoas que tinham imunidade de ataques anteriores de Covid-19. E experimentos de laboratório sugerem que p.1 poderia enfraquecer o efeito protetor de uma vacina chinesa agora em uso no Brasil.
Os novos estudos ainda não foram publicados em revistas científicas. Seus autores alertam que as descobertas sobre células em laboratórios nem sempre se traduzem para o mundo real, e eles só começaram a entender o comportamento de P.1.
"As descobertas se aplicam a Manaus, mas não sei se se aplicam a outros lugares",
disse Nuno Faria, virologista do Imperial College de Londres que ajudou a liderar grande parte da nova pesquisa.
Mas mesmo com os mistérios que permanecem em torno de P.1, especialistas disseram que é uma variante a levar a sério.
"É certo se preocupar com p.1, e esses dados nos dão a razão",
disse William Hanage, epidemiologista da Harvard T.H. Chan School of Public Health.
O P.1 está se espalhando pelo resto do Brasil e já foi encontrado em outros 24 países. Nos EUA, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças registraram seis casos em cinco estados: Alasca, Flórida, Maryland, Minnesota e Oklahoma.
Para reduzir os riscos de surtos e reinfecções P.1, o Dr. Faria disse que era importante dobrar cada medida que temos para retardar a propagação do coronavírus. Máscaras e distanciamento social podem funcionar contra P.1. E a vacinação pode ajudar a reduzir sua transmissão e proteger aqueles que são infectados por doenças graves.
"A mensagem final é que você precisa intensificar todos os esforços de vacinação o mais rápido possível. Você precisa estar um passo à frente do vírus,"
disse ele.
Faria e seus colegas começaram a rastrear o coronavírus quando ele explodiu no Brasil na primavera passada. Manaus, cidade de dois milhões na Amazônia brasileira, foi atingida com muita força. No seu pico de primavera, os cemitérios de Manaus foram dominados pelos corpos dos mortos.
Mas depois de um pico no final de abril, Manaus parecia ter passado o pior da pandemia. Alguns cientistas pensaram que a queda significava que Manaus tinha ganhado imunidade de rebanho.
Dr. Faria e seus colegas procuraram anticorpos coronavírus em amostras de um banco de sangue de Manaus nos meses de junho e outubro. Eles determinaram que cerca de três quartos dos moradores de Manaus haviam sido infectados.
Mas perto do final de 2020, novos casos voltaram a surgir.
"Na verdade, houve muito mais casos do que no pico anterior de casos, que havia sido no final de abril. E isso foi muito intrigante para nós,"
disse o Dr. Faria.
Faria e seus colegas se perguntaram se novas variantes poderiam ser parcialmente culpadas pelo ressurgimento. Na Grã-Bretanha, pesquisadores estavam descobrindo que o B.1.1.7 estava surgindo em todo o país.
Para buscar variantes, Dr. Faria e seus colegas iniciaram um novo esforço de sequenciamento de genomas na cidade. Enquanto b.1.1.7 tinha chegado em outras partes do Brasil, eles não o encontraram em Manaus. Em vez disso, encontraram uma variante que ninguém tinha visto antes.
Muitas variantes em suas amostras compartilharam um conjunto de 21 mutações não vistas em outros vírus que circulam no Brasil. Dr. Faria enviou uma mensagem de texto para um colega:
"Acho que estou olhando para algo muito estranho, e estou muito preocupado com isso".
Algumas mutações, em particular, o preocupavam, porque os cientistas já as tinham encontrado em B.1.1.7 ou B.1.351. Experimentos sugeriram que algumas das mutações poderiam tornar as variantes mais capazes de infectar células. Outras mutações permitem que eles evitem anticorpos de infecções anteriores ou produzidas por vacinas.
Como o Dr. Faria e seus colegas analisaram seus resultados, pesquisadores no Japão estavam fazendo uma descoberta semelhante. Quatro turistas que voltavam para casa de uma viagem à Amazônia em 4 de janeiro deram positivo para o coronavírus. O sequenciamento do genoma revelou o mesmo conjunto de mutações que o Dr. Faria e seus colegas viam no Brasil.
Dr. Faria e seus colegas postaram uma descrição de P.1 em um fórum de virologia online em 12 de janeiro. Eles então investigaram por que P.1 era tão comum. Suas mutações podem tê-lo tornado mais contagioso, ou pode ter tido sorte. Por acaso, a variante poderia ter aparecido em Manaus assim como a cidade estava ficando mais relaxada sobre as medidas de saúde pública.
Também era possível que p.1 se tornasse comum porque poderia reinfectar as pessoas. Normalmente, as reinfecções do coronavírus são raras, pois os anticorpos produzidos pelo corpo após a infecção são potentes por meses. Mas era possível que p.1 carregasse mutações que dificultavam a ção desses anticorpos, permitindo que ele escorregasse nas células e causasse novas infecções.
Os pesquisadores testaram essas possibilidades rastreando P.1 de suas primeiras amostras em dezembro. No início de janeiro, ele comia 87% das amostras. Em fevereiro, ele tinha tomado completamente.
Combinando os dados de genomas, anticorpos e prontuários médicos em Manaus, os pesquisadores concluíram que p.1 conquistou a cidade graças não à sorte, mas à biologia: Suas mutações ajudaram a se espalhar. Como o B.1.1.7, pode infectar mais pessoas, em média, do que outras variantes podem. Eles estimam que é algo entre 1,4 e 2,2 vezes mais transmissível do que outras linhagens de coronavírus.
Mas também obtém uma vantagem de mutações que permitem escapar de anticorpos de outros coronavírus. Eles estimam que em 100 pessoas infectadas com linhagens não P.1 em Manaus no ano passado, algo entre 25 e 61 delas poderiam ter sido reinfectadas se fossem expostas a P.1 em Manaus.
Os pesquisadores encontraram apoio para essa conclusão em um experimento no qual misturaram vírus P.1 com anticorpos de brasileiros que tiveram Covid-19 no ano passado. Eles descobriram que a eficácia de seus anticorpos caiu seis vezes contra P.1 em comparação com outros coronavírus. Essa queda pode significar que pelo menos algumas pessoas estariam vulneráveis a novas infecções de P.1.
O Dr. Faria disse que "um conjunto crescente de evidências" sugere que a maioria dos casos na segunda onda foi resultado de reinfecções. Ele e outros pesquisadores estão agora olhando para todo o Brasil para observar a propagação de P.1.
A Dra. Ester Sabino, especialista em doenças infecciosas da Faculdade de Medicina da USP Universidade de São Paulo, disse que um dos novos focos surgiu em Araraquara, cidade brasileira de 223 mil pessoas que não tinham altas taxas de Covid-19 antes da chegada do P.1.
Se as pessoas em Araraquara não tinham altos níveis de anticorpos antes da chegada de P.1, ela disse, isso sugere que a variante pode ser capaz de se espalhar em locais sem a história extrema de Manaus.
"Isso pode acontecer em qualquer outro lugar",
disse ela.
Michael Worobey, virologista da Universidade do Arizona que não estava envolvido na pesquisa, disse que era hora de prestar atenção ao P.1 nos EUA. Ele esperava que se tornasse mais comum nos Estados Unidos, embora tivesse que competir com b.1.1.7, que em breve pode se tornar a variante predominante em grande parte do país.
"No mínimo, será um dos competidores",
disse o Dr. Worobey.
Em seus experimentos, o Dr. Faria e seus colegas também testaram anticorpos de oito pessoas que receberam CoronaVac, vacina chinesa que tem sido usada no Brasil. Eles descobriram que os anticorpos gerados pela vacina eram menos eficazes na parada da variante P.1 do que outros tipos.
Dr. Faria alertou que esses resultados, derivados de células em tubos de ensaio, não significam necessariamente que as vacinas serão menos eficazes na proteção de pessoas reais de P.1. As vacinas podem muito bem fornecer forte proteção contra P.1 mesmo que os anticorpos que eles geram não sejam tão potentes. E mesmo que a variante consiga infectar pessoas vacinadas, elas provavelmente permanecerão protegidas de um ataque severo de Covid-19.
Para a Dra. Sabino, a maior importância do P.1 é a ameaça que as variantes representam quando podem aparecer em qualquer lugar do mundo.
"É apenas uma questão de tempo e chance",
disse ela.