Viabilidade dos Planos Privados de Aposentadoria no Longo Prazo,
para os aplicadores
por Wilson R Correa
Corecon SP 15.063
O modelo previdenciário e assistencial utilizado no Ocidente foi desenvolvido após a Segunda Grande Guerra. Lastreado no ideário Keynesiano, valorizou a previdência social oferecida pelo Estado, o Welfare State, em que este assume responsabilidade pelo bem estar individual e social de seus cidadãos.
Uma de suas bases foi a suposição do desenvolvimento econômico contínuo por meio da adequação da demanda efetiva pelo Estado, via gestão do déficit público.
Outro lastro conceitual foi a idéia de sua viabilidade a partir de certo nível de crescimento populacional suficiente, de modo que as novas gerações de trabalhadores, contribuintes previdenciários ao Estado, supririam de recursos a máquina da previdência e assistência social ao segmento dos trabalhadores aposentados da terceira idade.
Nos anos 70, o modelo começou a apresentar desgaste orçamentário e de imagem com a ascensão do pensamento liberal remodelado, o neoliberalismo, segundo o qual os instrumentos de mercado viabilizariam modelo previdenciário autossustentado e aprimorado.
Para tanto, contribuiu a compreensão da inviabilidade do modelo anterior que decorreria de:
(a) da estabilização e posterior eventual declínio da população
européia e
(b) da crescente dificuldade representada pela expansão do deficit
público que seria gerado por esse modelo.
Um Novo e Estupendo Negócio
Para além desse discurso acadêmico, o novo ideário de previdência social privada foi despertado pela visão estratégica de que este seria um novo e estupendo negócio, de altíssima rentabilidade, com milhões de contribuintes de longo prazo, que grande interesse despertou nas instituições financeiras em todo o mundo, que passaram a defendê-lo e, a partir de seu grande poder junto à mídia, a torná-lo senso comum.
Também aos governos, o novo modelo tornou-se atraente, pois os fundos formados com as contribuições das pessoas aos planos privados de aposentadoria, em busca de retorno longo prazo, poderiam:
(a) proporcionar recursos necessários à expansão da capacidade instalada nas economias e viabilizar o nível de investimentos necessários ao desenvolvimento do país, notadamente em países carentes de recursos e dependentes de capitais externos, como se caracterizou no Brasil; e
(b) reduzir as pressões políticas e financeiras sobre o orçamento público;
No mercado financeiro, a criação dessa nova área de negócios fez surgirem sistemas e organizações, produtos e mercados específicos, que tiveram de ser acompanhados por legislação adequada, com grande inpush a partir dos anos 90. Novas capacitações técnicas surgiram e nova profissão do especialista em ciência atuarial, o atuário. E a disciplina universitária Matemática Financeira tornou-se o instrumento básico para atuação desse novo profissional.
Condições Operacionais
Contudo, o funcionamento adequado desse novo modelo previdenciário exige condições operacionais macroeconômicas adequadas, sem as quais o produto Previdência Privada torna-se inviável. Tais condições, apontadas a seguir, puderam ser configuradas no Brasil nesse pós-Plano Real, a partir de 1994, e, até recentemente, na retomada do desenvolvimento do País:
a) Estabilidade Econômica – O produto Previdência Privada é vulnerável à ausência de estabilidade econômica, por exemplo, que possibilite às empresas e às famílias o planejamento orçamentário e a implementação de planos previdenciários.
b) Mercado em Expansão – O produto previdência privada exige mercado em expansão, que pode ser oferecida pelo crescimento populacional, tal como na previdência oficial, como também pela absorção de contingentes populacionais que sejam incorporados a partir da elevação de renda ou pela modelagem de produtos previdenciários específicos.
Obtidas tais condições até recentemente, o mercado financeiro passou a apresentar variadas oportunidades de aplicações para a formação de fundos de aposentadoria.
Para o cidadão e ao consumidor passou a ser necessária a análise das diversas alternativas de aplicações em fundos previdenciários para adquirir bases ao exercício da melhor escolha. Imprescindível para isso, o conhecimento da matemática financeira; e o surgimento das calculadoras HP, nos anos 80, dentre elas o modelo 12-C, viabilizou e popularizou o exercício das análises financeiras.
A idéia fundamental dos planos de aposentadoria privados é a da formação de certo montante de capital ao longo da vida do indivíduo, por meio do pagamento de parcelas mensais, semestrais e anuais, durante sua juventude, e a aplicação desses recursos por instituições financeiras, em projetos e empreendimentos cuja lucratividade poderão a viabilizar, no futuro, a devolução rentabilizada daqueles recursos, de modo a proporcionar a manutenção do padrão de vida daquele indivíduo durante o período de sua velhice.
Período de Capitalização e Valor das Parcelas – Sob a ótica da matemática financeira, quanto maior for o período de capitalização, menor será o valor das parcelas de contribuição (PMT), considerados determinado Valor Presente (PV) e certa taxa de juros incidentes sobre a aplicação.
Inversamente, quanto menor for o período de capitalização, maior será o valor das parcelas de contribuição para formar aquele mesmo capital futuro (Valor Futuro), sob uma mesma taxa de juros de aplicações.
Para exemplificação, a Matemática Financeira demonstra que considerado o Valor Futuro almejado de R$1 milhão, aplicados à taxa de juros de 8% ao ano, incidentes sobre as parcelas anuais, a parcela anual alcança R$ 4.185,13 para o prazo de 39 anos de capitalização; R$ 13.678,78, para 25 anos; e R$ 36.829,54, para 15 anos de capitalização.
Taxas de Juros – Paralelamente, considerações podem ser feitas com base no comportamento do valor das parcelas de contribuição, sob diferentes taxas de juros empregadas nos planos de aposentadoria: quanto maior a taxa de juros da aplicação, menor a parcela necessária para a formação do capital; e vice-versa.
Para exemplificação, observa-se que, para atingir-se o Valor Futuro de R$ 1.000.000,00 em prazo de 25 anos, as parcelas anuais a serem pagas alcançam R$1.461,97, para uma aplicação à taxa de juros de 12% ao ano; atingem R$2.490,98, para 10%; e R$4.185,13, para 8% ao ano.
Tais números revelam que aplicados à taxas de juros maiores, são necessárias parcelas mensais menores para formação do capital. Isso é extremamente importante, porquanto o baixo crescimento da economia brasileira e a menor rentabilidade dos investimentos produtivos, em face do custo do capital financeiro disponibilizado aos empresários pelos bancos, tem sido motivo de permanentes reivindicações das Federações das Indústrias de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Inflação – Pode ser devastador o efeito geral da desvalorização da moeda sobre os investimentos financeiros, inclusive em planos de aposentadoria: a diminuição do valor real dos capitais formados e a desmotivação dos investidores à formação de pecúlios.
Destruição de 85% do Capital Investido
No exemplo mencionado acma, a inflação anual de apenas 5% destruiu em 85,1%, ao longo do período de 30 anos, o valor real do capital de R$1 milhão que seria formado (PV), tornando-o equivalente a apenas R$ 149.147,97, em termos de valor presente
Merece destaque que a taxa de remuneração dos capitais aplicados foi sempre superior à taxa média de inflação anual projetada para o período de 30 anos, de 5%. Ou seja, a taxa de remuneração foi de 8%, 10% e 12% ao ano. Mas mesmo assim os 5% de inflação ao ano destruíram 85,1% do valor futuro do investimento.
O mercado financeiro brasileiro viveu grande evolução desde o plano Real, em 1994. A estabilização da economia, ao tempo que fez desaparecerem produtos e serviços financeiros economicamente viáveis sob um ambiente inflacionário, para os bancos ou para seus clientes, fez igualmente surgirem outros produtos e serviços desta vez economicamente viáveis sob ambiente de relativa estabilidade econômica.
A inflação encontra-se relativamente estabilizada e controlada no País, mesmo considerando-se o assombro nos anos de 2002 (12,53%) e de 2015 (10,67%). Isso tem sido permitido pela conjugação de diversos fatores:
a) a prática de uma política de juros ortodoxa pelo Banco Central do Brasil nos últimos dois mandatos presidenciais;
b) a prática de política de sobrevalorização do câmbio, pelo Banco Central, por via indireta do controle dos juros;
c) produção de safras agrícolas abundantes que têm favorecido o controle do preço dos alimentos;
d) expansão da produção chinesa de manufaturados, de exportações da China e a política cambial chinesa de câmbio fixo, de modo a tornar ainda mais competitivos os produtos chinesas (pelo dumping social e ambiental), produtos que acabam por chegar muito baratos no Brasil, impedindo a elevação dos preços oligopólicos da produção brasileira de manufaturados.
Diante desse quadro, tem sido aproveitadas as possibilidades de lançamento de produtos financeiros e modalidades de investimentos que possam trabalhar com a perspectiva de longo prazo, algo inusitado, até o início dos anos 90.
A otimização dos planos de aposentadoria, no sentido da formação de montantes elevados de capital (FV), deve-se considerar três fatores: juros da aplicação, capitais investidos e tempo de capitalização. Considerando-se cada um desses fatores isoladamente, seja o conjunto deles, quanto mais elevados forem, maior será o Valor Futuro.
Contudo, a inflação constitui o calcanhar-de-aquiles dos planos de aposentadoria, pois mesmo à taxa menos expressiva, a desvalorização monetária tem o poder de deteriorar expressivamente o valor real dos fundos de aposentadoria formados.
No exemplo mencionado acima, a taxa “civilizada” de 5% ao ano devorou cerca de 85% do valor dos capitais acumulados ao longo de trinta anos. No Brasil, a inflação medida pelo IPCA Índice de Preços ao Consumidor-Amplo, calculado pelo IBGE, apresentou o seguinte comportamento anual:
ano IPCA anual ano IPCA anual
2000 5,97% 2009 4,31%
2001 7,67% 2010 5,91%
2002 12,53% 2011 6,50%
2003 9,30% 2012 5,84%
2004 7,60% 2013 5,91%
2005 5,69% 2014 6,41%
2006 3,14% 2015 10,67%
2007 4,46% 2016 6,14% (e)
2008 5,97%
Por todo esse período de 17 anos, a inflação média anual pelo IPCA é de 6,68%. Se excluir os anos de 2002 e de 2015, por conta da intensa crise política em ambos os anos, a inflação média anual cai para 6,04%, número que se situa na faixa de admissibilidade da política monetária brasileira de Metas de Inflação.
Para uma perspectiva macro, observa-se que, de uma situação do passado, em que a rentabilidade bancária derivava diretamente do acelerado processo inflacionário que o Brasil vivenciou por décadas, o mercado financeiro brasileiro evoluiu, no pós-Plano Real, para a configuração de ampla variedade de novos investimentos financeiros que atualmente constituem a base da lucratividade bancária. E, entre esses novos investimentos, destacam-se os planos de aposentadoria.
Explícita ou implicitamente configurados para a constituição de fundos de aposentadoria, o perfil atual dos investimentos financeiros tem levado bancos a exercerem grande pressão sobre o Banco Central e Autoridades Econômicas, no sentido de praticarem política monetária de grande rigidez no controle da inflação por meio da prática de elevados juros básicos da economia, a taxa Selic, com o objetivo de viabilizar a captação de recursos de longo prazo pelos bancos, a viabilização de fundos de aposentadoria e assegurar a elevada lucratividade dos bancos.
É inegável o sucesso do setor financeiro nessa estratégia, conforme pode ser observado na atratividade dos planos de aposentadoria vendidos pelo sistema financeiro, e dimensão atingida pelo negócio Seguridade no Brasil.
Mas, será confiável, aos aplicadores, o futuro reservado aos planos abertos de aposentadoria oferecidos pelos bancos diante do poder devastador da inflação, mesmo com uma baixa taxa anual de 5 a 6% ano ano?
Às vésperas dos festejos de fim de ano, quando muitos aplicam recursos em planos previdenciários para reduzir gastos com o Imposto de Renda no ano seguinte, penso que a resposta é não.
Parecem ser mais seguros os planos fechados de aposentadorias, a exemplo do Petros, dos funcionários da Petrobras, e da Previ, dos funcionários do BB, além de centenas de outros pelo País. Não apenas por seus recursos serem aplicados em empreendimentos, cuja propriedade e resultados passam a ser propriedade efetiva dos participantes desses fundos, mas também pela fiscalização a que permanecem submetidos esses fundos ao poder público e, principalmente, pelos participantes desses planos, os quais elegem seus diretores, o mais democraticamente possível.
Grande Negócio para os Bancos
Diante de um processo inflacionário que tem se situado na faixa de 6,0% ao ano -- superior à taxa "civilizada" de 5,0% que traria esta a perda real de 85% nos capitais aplicados -- creio que não seja cabível uma perspectiva de aposentadoria aos planos bancários de previdência, mas sim uma perspectiva apenas fiscal e de capitalização a curto prazo, quando muito. Para os bancos, sim, um grande negócio.