Receita menor e falta de planejamento levaram Rio à crise, dizem especialistas
O Rio de Janeiro enfrenta uma de suas piores crises financeiras. Há meses o estado convive com atraso nos salários de servidores, serviços da saúde, educação e segurança com risco de parar e a falta de pagamento de contratos com prestadores.
Esses são alguns dos reflexos em decorrência do rombo nos cofres do estado. O déficit chega a R$ 20 bilhões e o Rio de Janeiro acabou por decretar estado de calamidade pública.
A crise enfrentada pelo país foi sentida pelo Rio de Janeiro, mas a falta de planejamento, as mudanças na Lei dos Royalties do petróleo e os impactos da Operação Lava Jato, que afetou a maior empresa instalada no estado - a Petrobras - também contribuíram para a situação do estado. Para reverter esse cenário, especialistas apontam que o governo fluminense tem de fazer reformas para equilibrar as finanças.
“A administração pública não é lugar de aventureiros. É de gente com espírito público, séria, com planejamento. A gente tem visto pessoas inabilitadas na administração pública”,
disse o professor de direito administrativo e gestão do Ibmec/RJ, Jerson Carneiro.
De acordo com o professor, as dificuldades financeiras foram agravadas pela mudança na legislação que trata dos royalties do petróleo, pelos impactos da crise financeira nacional e consequente queda de arrecadação, e os reflexos da Lava Jato, que atingiu a Petrobras com denúncias de pagamento de propinas a dirigentes da companhia e refletindo na receita da rede de fornecedores da empresa.
“Houve uma série de fatores que as autoridades do Rio poderiam ter agido e não fizeram”,
disse à Agência Brasil.
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No caso da Lei dos Royalties, houve uma redução dos percentuais de participação na exploração de petróleo entre estados produtores e não produtores. Com isso, estados como o Rio de Janeiro, produtores de petróleo, passaram a receber menos recursos.
Pelos números da Secretaria de Estado da Fazenda, a arrecadação com royalties pelo governo fluminense caiu de R$ 8,7 bilhões em 2014 para R$ 5,5 bilhões em 2015.
A secretaria estima que, para este ano, considerando o barril cotado a US$ 30 e o dólar a R$ 4, a arrecadação deverá ser de R$ 3,8 bilhões. Conforme a secretaria, se isso se confirmar, a queda na receita em 2016 será de 60% em relação a de 2014.
Para o professor Jerson Carneiro, o governo estadual precisa de um plano de execução de metas de longo prazo para o Rio voltar ao rumo. Ele também criticou a adoção do decreto de estado de calamidade, como medida emergencial. Na sua opinião, isso não resolve os problemas do estado.
“É a primeira vez que é editado um decreto desta natureza no Brasil. Normalmente, calamidade pública é destinada a eventos de anormalidade que não tem como se prever.”
Pagamento de pessoal
Para socorrer o estado, o governo federal anunciou repasse de R$ 2,9 bilhões, que serão usados para cobrir parte das despesas com segurança na realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos.
Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, o repasse do governo federal não deve ser considerado empréstimo, pois trata-se de uma repasse dentro de rotina orçamentária, que poderia ser feito a qualquer momento e está sendo feito agora por causa do decreto.
Por não se tratar de empréstimo, pode ser usado, inclusive, para pagamento de pessoal, o que poderia ser uma alternativa para o Rio de Janeiro resolver o problema dos salários de profissionais que vão trabalhar na segurança dos jogos.
“É uma verba orçamentária e não tem restrição. O que não se pode fazer é o estado tomar um empréstimo com o objetivo de pagar pessoal, mas verba orçamentária que venha da União não tem nenhuma restrição. Chama-se regra de ouro. Nenhum ente público pode tomar empréstimo para pagar pessoal. É a regra mais antiga dos sistemas orçamentários. Porque se não iam tomar empréstimos para pagar pessoal em condições rotineiras. É para proibir isso. Eu não consigo ver que eles fossem ter um erro grosseiro desses, porque seria uma ilegalidade, associar a empréstimo para pagamento de pessoal”, disse Velloso à Agência Brasil.
“Se chama transferência voluntária da União para o estado, que vai ser usada em algum programa relacionado com a Olimpíada. Se ele vai para pessoal ou não, não tem nenhum problema, porque não é empréstimo”, completou.
Jerson Carneiro lembrou que, atualmente, a administração estadual enfrenta dificuldade para pagar os servidores da ativa, de aposentados e pensionistas e a preocupação é manter o pagamento para evitar paralisações durante a Rio 2016. No entanto, o professor questiona como o estado vai ficar após as competições. “Para não ter motim, eles vão pagar. Isso é uma coisa paliativa. O que o estado deve fazer para entrar de novo na rota de estabilidade financeira?”. “O Rio vive um momento difícil, com um déficit de quase R$ 20 bilhões, pediu R$ 6 bilhões e está ganhando R$ 2,9 bilhões para ajustar suas contas”, disse.
Reformas e privatização
Como saída para o acerto das contas públicas, Jerson Carneiro sugere reformas administrativa e previdenciária. “Extinguir secretarias, mandar embora cargos em comissão, que são cargos políticos e não técnicos, demitir servidores em excesso, funções gratificadas, quem estiver recebendo acima do teto constitucional. Tem que cortar tudo”, defende, acrescentando que as aposentadorias para servidores entre 55 anos e 60 anos estão abaixo da média nacional. “O estado prometeu aos servidores públicos mais do que podia dar”, disse.
Para a área econômica, o professor destaca a necessidade de o estado cogitar a concessão de serviços e a venda de empresas públicas. “Passar serviços de iniciativa pública que não estão eficientes e não estão tendo dinheiro, para a iniciativa privada, por meio de concessão ou de privatização, para ajustar as contas do estado e dar maior eficiência ao serviço público. Por exemplo, a Companhia de Águas [Cedae] pode passar à iniciativa privada, que prestaria melhores serviços e o estado ficaria apenas como fiscalizador na execução dos serviços. Já tem um plano para fazer isso, mas deve se estender a outras áreas como é feito nas linhas do metrô”, disse.
De acordo com o economista Raul Velloso, o governo deve analisar medidas dentro do “processo de fechar o buraco” de R$ 20 bilhões. Para ele, a situação deve melhorar somente quando a recessão acabar e a arrecadação voltar ao patamar anterior. “É cada coisa no seu devido momento e tempo. Emergência tem que pegar dinheiro de tudo quanto é lugar e tapar o buraco. No médio prazo, tem é que mudar a estrutura do gasto, para que o estado possa absorver este tipo de crise de uma maneira mais tranquila”.
Alerj
Para cortar despesas, o governo estadual vai precisar da aprovação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O professor Jerson Carneiro acredita que os deputados vão aprovar as decisões, ainda que sejam impopulares. “Não há como não apoiar. A Alerj vai apoiar. O momento é grave. Na parte de saúde, as pessoas estão muito carentes, a educação está há três meses em greve, há muitos empresários quebrando”, disse.
“Acho que há uma força política, até pela comoção dos próprios cidadãos cariocas que vão se mobilizar para que isso aconteça. É um momento de ajuste que tem que pedir a união de todos e não de partidos para resolver juntos a situação financeira e econômica do estado do Rio”, ressaltando, acrescentando que a solução não passa apenas pela extinção de secretarias e realocação de servidores em outras secretarias.
O especialista em gestão defende ainda que as autoridades fluminenses já cortem "privilégios". “Essas medidas são aparentemente impopulares, mas colocam o estado de novo na rota, até para salvar o servidor que não está recebendo nem o seu salário. Agora, tem que ser feito um gesto simbólico da autoridade, que ele primeiro está cortando na própria carne todos os privilégios de todos os servidores do alto escalão, para que o servidor que ganha R$ 1mil, R$ 2 mil, possa tomar este remédio amargo e o cidadão comum que está sem as benesses do serviço público compreenda que é um momento de crise. Se não adotar este gesto simbólico, isso é um acinte à inteligência das pessoas”.
Para o professor, em 2012, diante da perspectiva de o Rio sediar competições importantes como a Copa das Confederações (2013), a Copa do Mundo (2014) e a Rio 2016, houve euforia das autoridades com a realização de obras e a entrada de investimentos externos Porém, Carneiro questiona se o Brasil e o Rio estavam preparados para receber eventos tão dispendiosos. “O resultado da euforia deu errado. Falta de planejamento. O governo federal deu a direção que a Copa e a Olimpíada iam sair, mas será que o Brasil tinha estrutura para isso? A gente está vendo que boa parte do déficit dos estados é para manter os empréstimos que foram renegociados”.