Os Quatro Cavaleiros do Apocalypse, tela de Viktor Vasnetsov, de 1887.
EDITORIAL
A mortandade em Gaza tem de cessar
por Wilson R. Correa
27.08.2024
De um estado originalmente com algumas características socialistas expressas na organização de kibutz nas áreas rurais, Israel tornou-se um estado com a extrema direita instalada no poder, um estado colonialista, étnico e terrorista que, quando de sua fundação, expulsou violentamente o povo que ocupava há milênios o território palestino, cerca de 800 mil pessoas, tomou suas terras e lhe impôs a vida em acampamentos na Faixa de Gaza, por décadas até o presente momento.
Desde então, Israel tem continuamente trucidado a população de Gaza, por anos a fio, com o objetivo perverso de sua expulsão ao deserto do Sinai negociadamente com o Egito, cujas autoridades até o momento não o permitiram, neste movimento bélico israelense mais recente, ao ponto de o governo egípcio ter deslocado forte contingente militar para proteção de sua fronteira com Israel. A alegação do governo egípcio teria sido de que seu país já abriga em seu solo cerca de 4 milhões de refugiados e que não haveria condições de serem adicionados outros 2 milhões de refugiados eventualmente expulsos de Gaza nesses dias por Israel.
Vale ainda lembrar que a Knesset, parlamento unicameral israelense, retirou o direito de cidadania e de benefícios sociais correlatos dos palestinos nascidos e que habitam todo o território de Israel, Jerusalem, Gaza e Cisjordânia. Ademais, durante essa fase do conflito, o governo israelense tem deixado de repassar para a Autoridade Palestina a parcela dos impostos coletados cabente ao povo palestino
Além da destruição generalizada das cidades da Faixa de Gaza, suas escolas, hospitais, postos de saúde, instalações oficais administrativas, casas e prédios residenciais e comerciais, ruas e avenidas etc, até este agosto de 2024, somam-se mais de 40.000 pessoas palestinas assassinadas na incursão militar israelense sobre a população de Gaza, computado esse número a partir de outubro de 2023, crianças, mulheres, idosos e trabalhadores civis, estudantes, médicos, professores etc. Caças bombardeiros, obuses, carros de combate e lança-mísseis são intensamente empregados pelas IDF Forças de Defesa de Israel neste trabalho insano.
Nunca será aceitável esse genocídio, inocultável pela dimensão desta tragédia de que bilhões de pessoas em todo o mundo são expectadores pelas redes sociais, a despeito da retórica pró-Israel e do controle das informações na grande mídia. A Humanidade rejeita a mentira de que Israel apenas se defende de terroristas e reconhece que a sociedade israelense é responsável por manter no poder um homem que, além de reconhecidamente corrupto, está criando condições para o renascimento do anti-semitismo, o qual a humanidade havia afastado do espectro político.
A permanecer esse quadro, desfaz-se no ar a cada dia a pretensão de "povo eleito" e de que a ação bélica israelense possa ser objeto de beneplácito divino. Ao contrário, Israel torna-se estado pária no concerto das Nações, pois não somente se nega hoje a atender a recente determinação do Tribunal Penal Internacional para cessação de hostilidades sangrentas contra o povo palestino, quanto tem desrespeitado todas as determinações da ONU sobre a ocupação territorial, desde sua fundação como Estado, em 1948.
O povo israelense tem sua quota de responsabilidade nessa calamidade, ao tolerar e manter Bibi, como primeiro-ministro, e sua caterva fascista. Além desse gigantesco número de assassinatos, já teriam sido gastos cerca de US$ 60 bilhões pelo governo israelense nessa guerra insana, até este final de agosto de 2024, segundo especialistas, o que por si só compromete enormemente a economia de Israel, sem contar o afugentamento de investimentos e a decadência do comércio, da indústria e do turismo israelense.
Além disso, tem tido grande impacto sobre a economia de Israel a ação sem trégua da milícia Houthi do Yemen no Mar Vermelho, em apoio ao povo palestino, por meio de bombardeios de navios endereçados a Israel com mercadorias, gêneros alimentícios, petróleo. Isso tem obrigado embarcações a operarem custosamente através do Cabo da Boa Esperança, ao sul da África, para acessar Israel e a Europa, rota comercial anti-econômica abandonada desde 1869 quando entrou em operação o Canal de Suez.
A mortandade tem continuado em Gaza fortemente em razão do fornecimento de material bélico, do apoio financeiro do governo dos EUA. Neste momento, o Pentágono mantém 1/3 de sua frota naval no Oriente Médio para dar apoio e proteção a Israel. E a chacina de palestinos somente irá cessar quando também cessar a concessão de recursos financeiros estadunidenses a Israel, dando um basta na conivência com essa matança e a hipócrisia de sua retórica.
Na condição de político norte-americano que maior montante de recursos recebeu da comunidade judaica dos EUA em toda a sua carreira, Joe Biden agregou à própria imagem, durante seu mandato como presidente dos EUA, o visgo fétido de apoio incondicional a essa chacina.
A retirada da candidatura de Biden à reeleição presidencial, por pressão do partido Democrata, serviu ao propósito de apresentar ao eleitorado uma candidata mais jovem e com maior vigor físico e mental, Kamala Harris. Buscou também desassociá-la do massacre contra os palestinos. Mas, passado o primeiro momento, a iniciativa demonstrou-se insustentável para tal finalidade, pois, como vice-presidenta dos EUA, Kamala é também presidente do Senado dos EUA, orgão de Estado responsável pela aprovação de projetos orçamentários encaminhados por Joe Biden para aprovação. Kamala teve e tem responsabilidade na definição das pautas de votação do Senado, o que sela seu comprometimento pessoal com a aprovação da concessão de verbas e material bélico a Israel em apoio a sua luta contra o Hamas.
Vale ainda observar que ambos os candidatos à presidência dos EUA manifestaram-se em favor das iniciativas bélicas de Israel. Enquanto Kamala Harris, pelo partido Democrata, declarou que manterá a política de apoio a Israel seguida por Joe Biden, Donald Trump, pelo partido Republicano, mencionou por sua vez que apoiaria a ampliação do solo do Estado de Israel por considerá-lo territorialmente muito pequeno para fazer frente a tantos países fronteiriços inimigos e de maior dimensão.
Nesse panorama, o horizonte tenderá a manter-se sombrio sob uma nova presidência a partir de 2025, mesmo com a eventual escolha eleitoral de Kamala Harris como a próxima presidente estadunidense, nos moldes do novo ideário identitário de empoderamento das mulheres, como solução para os problemas mundiais e de cada país.
Diante da inoperância dos EUA em favor da paz, restará exclusivamente ao povo de Israel rebelar-se contra Benjamin Netanyahu, desalojá-lo do poder e promover a renovação da Knesset, o parlamento unicameral israelense, hoje dominado pela ultra-direita belicista, fascinada pelo mito da renovação do antigo reino de Israel, conquistado cruelmente a partir da espada do Rei Davi e consolidado pela sabedoria do Rei Salomão. Esse reino se estenderia do rio Eufrates até o "país dos filisteus", (que é a costa sul da Palestina, no Mar Mediterrâneo Oriental, e que inclui a atual Faixa de Gaza), até as fronteiras do Egito, incorporando a região da península do Sinai (AT II Crônicas 9-26).
Desnecessário mencionar que a tentativa de ampliação territorial de Israel sobre áreas de outros países na região, poderá levar a uma ampla guerra regional que, muito possivelmente, poderá extrapolar o Oriente Médio. Vale lembrar que o desenho do mapa desse 'reino' já pôde ser observado compondo a farda atual de alguns soldados israelenses da IDF, Força de Defesa de Israel, na ombreira do casaco dos uniformes.
A solução poderá estar em Israel transformar-se em uma real Democracia, para o que é passo importante deixar de ser um estado étnico e tornar-se inclusivo. Para tal, Benjamin Netanyahu e a ultra-direita israelense instalada na Knesset têm de ser parados. Bibi tem de ser deposto pelo povo israelense ou o Poder Judiciário de Israel tem de autorizar a Polícia Federal israelense a prendê-lo por corrupção.
É necessário que isso aconteça, ainda que não o seja por fatores humanitários, morais, éticos ou pela manutenção de um pacto civilizatório a ser mantido para não destruirmos a Humanidade e o Planeta em uma guerra nuclear ou com armas tradicionais, territorialmente estendida para além do Oriente Médio. Que seja, até mesmo hipocritamente pelos fatores econômicos de interesse do grande capital, pois a ninguém poderá favorecer a devastação das cidades e dos países.
Se a Segunda Grande Guerra matou absurdamente 75 milhões de pessoas, o arsenal mundial atual certamente poderá levar à morte bilhões de pessoas e à devastação da natureza e da vida. E há um aspecto importante a ser lembrado: se o território continental dos EUA foi poupado da devastação durante as duas Grandes Guerras, em uma nova guerra ampla, certamente não o será.
E, assim, fica no ar a questão: quando irão enfim os norte-americanos abandonar a estupidez, o belicismo e a irresponsabilidade na prática de sua política externa sob o lema do auto-engano: “Yes, we can ... MAGA Make America Great Again ?"