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Política

31 de Março de 2024 as 09:04:51



INSTITUTOS PRIVADOS prepararam terreno para o GOLPE de 1964


Tanques nas ruas do Rio de Janeiro em 01.04.1964: A quartelada do gen Olympio Mourão Filho atropelou o golpe de estado planejado por Golbery e Castelo Branco; e, pelos EUA, Lyncoln Gordon e Vernon Walters.
 
Institutos privados prepararam terreno para o golpe de 1964
Ipes e Ibad buscaram criar consenso na sociedade para derrubar Goulart
 
por Lucas Pordeus Leon
 
Além da força das armas, o golpe de Estado de 1º de abril de 1964 contou com o apoio prévio de uma extensa estrutura político-ideológica que preparou o terreno para a destituição do governo de João Goulart.
 
As duas principais estruturas utilizadas pelos golpistas foram o IBAD  Instituto Brasileiro de Ação Democrática e o IPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais. Após o golpe, as lideranças desses institutos ocuparam cargos-chave na administração do general Castello Branco.
 
Esses institutos chegaram a ser alvos de CPI Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional, em 1963, um ano antes do golpe. A CPI investigou se os institutos usavam mecanismos ilegais de financiamento de campanhas políticas. Ao final, a Comissão culpou o Ibad por corrupção eleitoral e determinou seu fechamento, mas isentou o Ipes.  
 
A professora de relações internacionais da UFSC Universidade Federal de Santa Catarina, Camila Feix Vidal, especialista na relação entre EUA e América Latina, destacou que os estudos do golpe de 1964 tendem a se concentrar na movimentação militar, ignorando que ela foi preparada bem antes.
 
“O golpe é gestado muito antes a partir de vários instrumentos, sendo o principal deles o complexo Ipes/Ibad. Esse complexo trabalhou nos âmbitos da propaganda e da política, fazendo essa relação entre política, Forças Armadas, mídia e iniciativa privada com os empresários. Primeiro, você precisa preparar o terreno, para depois, de fato, iniciar a operação militar.”
 
O Ibad surgiu oficialmente em 1959 “com o alegado e ambíguo propósito de defender a democracia”, enfatizou René Dreifuss em seu livro 1964: A Conquista do Estado. Ex-professor de ciência política da UFF Universidade Federal Fluminense, Dreifuss faleceu em 2003.
 
O livro de Dreifuss destaca que o Ibad era formado, principalmente, por empresários nacionais e estrangeiros, com participação especial dos membros da Câmara de Comércio Brasil-EUA, de membros da  ESG Escola Superior de Guerra, ligada ao Exército, e com estreita colaboração da CIA Agência de Inteligência dos EUA.
 
O Ibad ganhou notoriedade durante a presidência de Goulart, “especialmente durante a campanha eleitoral de 1962, quando serviu de conduto de fundos maciços para influenciar o processo eleitoral”, escreveu.
 
Já o Ipes surgiu oficialmente em novembro de 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, fundado por empresários nacionais e dos EUA. De acordo com Dreifuss, a criação do instituto foi uma “reação empresarial ao que foi percebido como a tendência esquerdista da vida política” no Brasil.  
 
Oficialmente, o Ipes se apresentava como organização com o objetivo de “promover a educação cultural, moral e cívica dos indivíduos” por meio de “estudos e atividades sociais” com recomendações para “contribuir para o progresso econômico, o bem-estar social e fortificar o regime democrático”.
 
Na prática, o Ipes produzia e distribuía, gratuitamente, extenso material de propaganda contrária ao governo Goulart, alertando para o “risco comunista” em meio à atmosfera da Guerra Fria. Entre seus principais líderes, estava o general Golbery do Couto e Silva, uma das principais figuras da ditadura brasileira. Golbery foi o fundador do Serviço Nacional de Informação (SNI), responsável pela inteligência do regime, e chefe da Casa Civil nos governos dos generais Ernesto Geisel (1974-1979) e João Figueiredo (1979-1985).
 
Criar consensos
 
A professora da UFSC, Camila Vidal, destacou que o papel do complexo Ipes/Ibad era o de criar um consenso na sociedade brasileira para justificar o golpe de Estado e a ditadura de 21 anos que se seguiria.
 
“Eles trabalharam nesse clima das ideias, de persuadir a mídia, a população e determinados políticos a defender a ideia de neoliberalismo, do fim de um incipiente Estado de bem-estar social.”
 
“No caso do Ipes, teve todo o arranjo midiático de criar o medo da Guerra Fria, da União Soviética e do comunismo, relacionando determinados setores da política, e mesmo da sociedade brasileira, como comunistas e como isso seria perigoso. Isso teve um papel decisivo”,
 
completou.
 
De acordo com a professora Camila Vidal, o Ibad teve uma atuação mais política, financiando deputados e governadores para desestabilizar o governo Goulart e a esquerda no geral, incluindo a infiltração nos movimentos populares, sindicais e estudantis. Em outra frente de atuação, o Ipes teve mais uma função de propaganda, articulando ainda todo o bloco contrário ao governo.  
 
Camila destacou ainda que essas estruturas usavam a fachada de instituto técnico e acadêmico para promover a agenda dos Estados Unidos em meio a Guerra Fria.
 
“São institutos que, ainda que se colocassem como domésticos, como técnicos e tudo mais, na realidade, são braços de uma política externa dos Estados Unidos para a atuação no Brasil”,
 
defendeu, acrescentando que Washington “precisava manter aqui a sua influência e a sua hegemonia”.
 
Mídia
 
O complexo formado pelo Ipes/Ibad gozava de amplo espaço na imprensa nacional para repercutir as opiniões, estudos e ações lideradas por esses institutos, especialmente o Ipes. Segundo Dreifuss, “o Ipes conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública, através de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais”.
 
Jornalistas influentes e diretores ou editores dos mais importantes jornais do país faziam parte do Ipes. Entre os jornais interligados ao instituto estavam: O Estado de S. Paulo, a Folha de S.Paulo, os Diários de Notícias, a TV Record, a TV Paulista, o Jornal do Brasil, o Diário de Pernambuco, o Correio do Povo, O Globo, a Rádio Globo e os Diários Associados (poderosa rede de jornais, rádio e televisão de Assis Chateubriand).
 
Além da relação com a mídia nacional, o Ipes “publicava e financiava, editava, traduzia e distribuía livros, livretos, revistas e folhetos de produção própria, como também de fontes afins”escreveu Dreifuss.
 
 
A professora Camila Feix Vidal destacou que as campanhas do Ipes e do Ibad tiveram um sucesso, especialmente nas classes médias, dando sustentação à ditadura.
 
“Essa batalha das ideias não acabou com o golpe. Ela se manteve legitimando o papel dos militares, a zona de influência estadunidense e não soviética e toda a caça aos tidos como comunistas subversivos. Isso vem dentro dessa visão de mundo, dessa doutrina de segurança nacional que foi gestada e divulgada pelos Ipes e pelo Ibad.”
 
Financiamento
 
A bancada financiada e apoiada pelo complexo Ipes/Ibad reunia cerca de 200 parlamentares em dezembro de 1962 (quase metade da Câmara dos Deputados), segundo a pesquisa de Dreifuss, que estima que o dinheiro usado pelo Ipes/Ibad para bancar políticos equivaleu a “uns US$ 12,5 milhões, possivelmente até US$ 20 milhões”. A ação desses deputados “mostrava-se vital no esforço de bloquear as tentativas de João Goulart quanto a implementação de reformas”,
 
acrescentou.
 
O livro de Dreifuss detalha como funcionou o financiamento dessa estrutura. O dinheiro era recolhido por meio de intensa campanha de contribuições de empresários do Brasil e do exterior, principalmente dos Estados Unidos, com operações para disfarçar o recebimento desses fundos.
 
“Como resultado dessa campanha intensa, o Ipes recebeu o apoio de 500 membros corporativos em meados de 1963 e de um número ainda maior em 1964”,
 
escreveu o cientista político, acrescentando que “em dois anos, já se havia recolhido US$ 4 milhões e, até 1964, essa soma [foi] muitas vezes multiplicada”.  
 
Foram 297 corporações dos EUA identificadas como financiadoras do complexo Ipes/Ibad, sendo 101 empresas de outras nacionalidades. O pesquisador citou, entre as companhias, gigantes globais como: Texaco, Shell, Standart Oil of New Jersey, Bayer, General Electric, IBM, Coca-Cola, Cigarros Souza Cruz e General Motors.
 
A professora da UFSC, Camila Feix Vidal, destacou que o apoio financeiro foi fundamental para o sucesso da campanha de desestabilização do governo brasileiro.
 
“De nada adianta ter um instituto como o Ipes, ou mesmo o Ibad, atuando se não tem um financiamento tão grande como o que eles tiveram para desenvolver de fato as suas ações”,
 
comentou.
 
Controle do Estado
 
Com o golpe de 1º de abril de 1964, as principais lideranças do complexo Ipes/Ibad ocuparam cargos chaves na nova administração, como mostra a detalhada pesquisa de René Dreifuss.
 
O cientista político identificou os associados e colaboradores do Ipes nos cargos de mando em instituições como: o recém-criado Banco Central do Brasil; os ministérios do Planejamento e da Fazenda; a Casa Civil, ligado ao presidente Castello Branco; além de terem redigido a Reforma Administrativa Federal e coordenado o Escritório de Planejamento Econômico e Social do Estado.
 
Outros órgãos importantes que ficaram nas mãos das lideranças do Ipes foram: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, atual BNDES); o Banco do Brasil; o Conselho Nacional de Economia; a Caixa Econômica Federal e diversos outros bancos públicos.
 
Dreifuss destacou que o ministro da Fazenda, Octávio Bulhões, e o do planejamento, Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tornaram-se os mais importantes “modeladores da nova economia brasileira”, ambos associados ao Ipes. Para o autor de 1964: A Conquista do Estado, as lideranças do Ipes “moldaram o sistema financeiro e controlaram os ministérios e principais órgãos da administração pública”.
 
Dreifuss conclui afirmando que: “os ativistas do Ipes impuseram uma modernização da estrutura socioeconômica e uma reformulação do aparelho do Estado que beneficiou, de maneira ampla, as classes empresariais e os setores médios da sociedade, em detrimento das massas”.


Fonte: AGENCIA BRASIL. reporter Lucas Pordeus Leon





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